quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Memórias mal escritas (1).

Eu menti o meu primeiro beijo.

O Fernando! É, o loiro de olhos azuis que foi escalado pro elenco de última hora. Quando ele entrou no saguão de ensaio eu sabia que era ele o dono do meu primeiro beijo. A partir daquele qualquer dia de dois mil e dois as coisas mudaram. E não só para mim, como eu imaginava. Na quinta-feira seguinte de ensaio todas as meninas de doze á quinze anos voltaram como mulheres feitas. Maquiadas, bem vestidas e doces. As brincadeiras habituais do teatro viraram piadas, coisa de criança. Quando eram formadas duplas ou grupos todas rezavam baixinho para cair com o Fernando. Eu sempre achei que eu tinha uma vantagem sobre isso. O meu nome! Aliás, o meu segundo nome. Achava que por ele ser o meu meio xará ele seria meu namorado. Viveríamos para sempre, teríamos filhos loirinhos e daríamos o esperado primeiro beijo.

Foram distribuídos os papeis para todos, em outra quinta feira apaixonada. Fui escalada como uma dos papeis principais, cheio de falas.Para ele foi distribuído o papel de cachorro! Sem nenhuma fala e nem sequer latia! O Fernando era o cachorro. Ele nem estava no texto original, a professora deve ter dado por falta de personagem.

Eu tenho um desses dias registrado. São várias fotos das costas do Fernando. Uma ele está subindo as escadas, com uma camiseta azul escuro e as mãos para trás. Ele estava fugindo das fãs quase assumidas por ele. Outra ele está com a mão no rosto, mas um dos olhos azuis deixou escapar por entre os dedos e me fez da menina mais feliz do mundo. Eu tinha uma foto do dono do meu primeiro beijo. Reservado, planejado e treinado. Treinado no braço, no copo com gelo e assistindo a novela.

Lembro da nossa única conversa. Os dois estavam sentados, os dois estavam de amarelo. Ele veio dizer que os Fernandos do elenco estavam de amarelo e moravam no mesmo bairro. Quando ele disse isso, e sim, só isso, soou como: “Voce podia ser a minha namorada, né?”. A partir daí começa a parte fantasiosa sobre a minha primeira experiência na boca de outro ser humano.

Era final de ensaio e todos já tinham ido embora. Até que ele me chamou lá para o fundo da sala onde ficava o piano. Ele me empurrou para trás e as minhas mãos tocaram o piano muito alto, e fiquei com medo que alguém voltasse pra lá. Ele então me beijou. Me beijou muito, e lembro que o beijo foi molhado e bom. E eu estava me saindo muito bem no beijo, fiz tudo certo, e se eu me olhasse de fora não diria que era o primeiro. O primeiro com ele, pelo menos. Afinal, eu já sabia que ele morava no mesmo bairro que eu. Era perfeito. Tinha virado mulher e sabia beijar de língua. E muito bem, por sinal.

A verdade disso tudo é que era pra ter sido ele, mas não foi. A nossa única conversa foi aquela sobre a cor amarela e nomes e nada mais. Tínhamos doze anos e desconfio que ele não sabia do que causou nas meninas daquele teatro. Não me deu o meu primeiro beijo mas me fez um pouco mulher. E me rendeu uma mentira duradoura que contei até o dia que aconteceu o primeiro beijo de fato, dois anos depois.

O Allan! É, o baixinho de barba serrada que me chamou pra ser beijada enquanto eu estava em cima de uma árvore no Chico Mends ...

Um comentário:

Glauco Mazrimas disse...

Todos mentem para se vangloriarem de um feito, de uma conquista.

De ter dado o primeiro beijo.

Na verdade, o que importa é o significado que a primeira vez tem na sua vida. A marca que ela deixa.

Mas pra mim, o último beijo é sempre o melhor. O último abraço. A última transa.

Porque você faz o melhor, da melhor maneira para deixar uma cicatriz.

Algo eterno.