Isabel partiu, naquela tarde de quase chuva, quase sol. Eu só percebi quando me vi sentado de frente ao mar, na praia quase deserta. Duas meninas de tranças minuciosamente iguais e bem escovadas brincavam na areia, fazia castelos, cavavam buracos, gargalhavam as risadas da juventude. E bem no fundo dos meus olhos, aquilo que transparecia era a falta.

Foi no fim de Março, não sei porque, nem gostar de comida chinesa eu gosto.
Vi de longe uma menina, se ele fosse um revolver, a descreveria como uma bala perdida. Se ela fosse uma flecha, diria que foi na mosca. Se ela fosse tudo aquilo que eu senti, eu diria que ela era a mulher da minha vida. Eu não preciso descreve-la com características físicas, afinal, como dizer há alguém, o jeito que um anjo come frango xadrez? Eu sentei estrategicamente na mesa ao lado, sozinho, virando de canto de olho de vez em quando para ver se ela ainda estava lá. Ela era do tipo de garota que saia para se divertir com as amigas, e ria alto em qualquer lugar, o importante era se divertir. A qualquer momento daquele tempo que eu fiquei lá, eu resolvi ir até o banheiro para passar pela frente da musa do restaurante, não era a mais gostosa garota, mas era a mais brilhante. Quando eu passei na frente da mesa das jovens garotas, Isabel virou o pescoço me acompanhando. Eu, vermelho, entrei atrás daqueles biombos que tem na porta de banheiros, as amigas cochicharam alguma coisa que arrancou risos da mesa em geral. Voltei para a minha mesa. Pedi uma água, eu mexia naquele copo como se á qualquer segundo de lá fosse aparecer uma solução. Mas a solução bateu na minha orelha, me fez dar um pulo terrivelmente tosco e em seguida eu tentei disfarçar da melhor maneira: sorrindo. Era um pedaço de folha sulfite, provavelmente de um bloco, totalmente improvisado.

Eu guarde aquele pedaço de papel com o contorno da sua boca, pintada de vermelho sangue. Eu guardei a lembrança da primeira vista. Um pedaço de qualquer coisa, um restaurante, um beijo carimbado, um número de telefone, finalmente, você.

O tempo passou rápido, e a vida parecia tão fácil agora. Não porque agente tinha alguém para dizer que ama, nem para ter a confortável sensação de ter alguém no mundo, mas porque agente se completava, e preocupava, e respeitava. Agente se doava, morreríamos por amor. Se ama, morra por isso, já dizia naquele livro.

Comprar a casa na praia com você, depois de seis meses que nos conhecemos, parecia loucura. E antes fosse. As decisões com você eram diferentes, tudo tinha uma razão perfeita, um plano detalhado e escrito quando olhávamos para aquela casa, vazia, branca, pronta para duas pessoas serem felizes lá. A minha linda menina me levou até a praia, decorou cada cômodo da casa com um pouquinho de nós dois, me deitou na areia, beijou o meu olho, e lá fizemos amor pela primeira vez. Mesmo eu tendo a certeza que ele já havia sido feito há muito tempo.

Porque era assim? Porque eu tive que entrar naquele restaurante para te encontrar? Antes eu saia de balda, e nada de te encontrar. Eu viajava, ia para a faculdade, ouvia música, e nada. E quando eu esqueci, algo lembrou. Destino era aquele meu de ser seu, e você, minha.

No meu 25ºaniversário, você não se vestiu de coisa alguma, não preparou nada especial para o jantar, sem vela, sem seda, sem vinho. Você pegou na minha mão, me deu um beijo no rosto que pareceu melhor do que qualquer tipo de beijos que já havíamos dado. Levou-me descalça até a plataforma do fim da praia, por debaixo daquela noite da lua nova, tirou o seu Mp3 no bolso, colocou um fone em meu ouvido, o outro no dela, ouvimos baixinho a nossa música “Eu estarei ao seu lado apesar de tudo isso, mesmo que salvar você me mande pro céu ...”. A música que competia com o barulho gigante que meu coração transmitia naquele momento único. Duas meninas de tranças minuciosamente iguais e bem escovadas trouxeram com vergonha, uma tropeçando na outra, algo que naquele momento seria completo, para depois se tornar falta. Com um sorriso sem dentes, a mais velha esticou os braços para e entregou para Isabel uma concha fechada, algo que eu nunca tinha visto antes. Isabel abriu rapidamente, e duas alianças douradas como o sol se pondo a noite. Então, a minha namorada disse as palavras, as palavras que eu vim ao mundo para ouvir:

“Você vai achar engraçado, mas por favor, não ria! Não diga nada ... O seu rosto na minha frente, os seus olinhos encantadores fechando por causa do vento gelado, a sua boca semi-aberta implorando por um beijo. Seu cabelo metade arrepiado, metade voando, o seu moletom cinza de cordão branco. Os seus braços cruzados mostrando a curiosidade que você ta sentindo agora ... e o que foi que eu vi agora? Um sorriso? Eu quero guardar esse momento dentro de mim, na minha corrente sanguínea, em cada pelo do meu corpo, em baixo de cada pé, sobre a minha cabeça, além do que eu possa te dizer agora. Eu quero guardar você aqui – ela tocou no meu peito – aqui – ela segurou a minha mão – aqui – ela tirou a aliança maior, e colocou na minha mão direita. Ela deu um sorriso profundo, seguido de uma lágrima rasa - casa comigo?”

Uma mulher, pedindo para se casar comigo. Eu só quis dar á ela toda aquela praia, o céu do mundo todo, e pelo menos fazer ela se sentir importante, como ela me fez.

É ... ela me fez.

Isabel partiu, naquela tarde de quase chuva, quase sol. Eu só percebi quando me vi sentado de frente ao mar, na praia quase deserta. E tudo eu de você em mim ficou, é tudo que eu menos quis ter. Mais um recomeço na minha vida, as suas pegadas no concreto, o seu cheiro nos móveis, o seu lado da cama amassado com todo o peso da ultima noite comigo.

Isabel partiu, de todas as formas. Uma flor eu jogo pra você pegar, esperando ter a chance de te fazer ser feliz como você me fez.