Tranqüilidade pra mim sempre foi final de ano letivo, quando as provas tinham fim e eu descia para o Guarujá. Deitada na cadeira de praia que sempre cambaleava eu colocava os óculos escuros da minha mãe e me sentia ausente do mundo. As lentes escuras me ocultavam dos outros, e a sensação de mundo particular em meio a temporada de verão do Guarujá hoje é inimaginável.
Antigamente, antes do meu primeiro porre, eu usava do óculos para fazer cruzadinhas contra o sol. Traçava uma linha contrariando a luz intensa, e depois enrugava o canto dos olhos, onde o sol vazava contra a minha pseudo proteção. Depois do meu primeiro porre ou da a minha primeira menstruação eu usei os óculos para olhar os outros meninos enquanto meu namorado apertava forte a minha mão, e que dentro dos óculos dele, olhava as meninas que sem ele eu sentiria ciúmes.
Era um devaneio, quase sonhos de uma noite de verão, me sentir arder dentro do maiô azul. Naquela época não ter peitos era melhor e na região da minha coxa deveria viver apenas uma celulite solitária. Era incansável as corridas do mar para a barraca laranja, da barraca laranja para o mar e assim sucessivamente. Pegar água no baldinho para depois dazer castelo com as pázinhas. O Microsoft Word até grifou essas duas palavras diante da minha estranheza ao dizê-las. Lembro também a falta de classe ao chupar os sorvetes da promoção do palito. Estar semi-nua na praia era igual ficar vendo tv sem ninguém em casa, e o mesmo se repetia na hora de comer as coisas. Tudo lambusava, tudo caia em cima de mim. Mas eu não ligava. O mar era minha televisão, a areia minha poltrona e as outras barracas invisíveis. Talvez aquela época eu cultivasse o bom senso de qualquer criança, de achar que a praia é de todos e que ninguém está preocupado coma estetica, e sim em se divertir. É o lugar que você vai pra ver como seria aquela pessoa de calcinha e sutiãm. Para rir da barriga cheia de cevada do seu tio avó e se perguntar porque os adultos não gostam muito de entrar no mar.
As cartas de baralho, as pecinhas multi cor do jogo de ludo, o banco aonde brincávamos de mês castigo e mês presente, tudo se mistura em um único lugar. Aquele que eu passei todas as férias da minha vida, e que há dezessete anos eu construí o meu lugar de refugio, para as horas boas, ruins ou surpreendentes. O meu avô que comprou esse apartamento, um ano depois do meu irmão ter nascido. Fazendo as contas, percebo que o velho e capenga apê tem os seus vinte anos. Lembrando do meu avô ... sempre tive a vontade de ter lembranças com ele na praia. Andar de mão dada, com o bumbum grande de fralda, e provavelmente com alguma viseira gigante protegendo o meu rosto sempre muito branco. Eu tenho pena de não lembrar de olhar para trás e ver lado a lado as nossas pegadas, cruzando toda a extensão da praia. Mas nem que o quisesse, a minha memória só começa talvez dos meus seis anos pra frente, e não antes disso.
Lá na praia que eu sempre tive medo que o meu irmão morresse por causa de um tuburão, lá na praia aonde eu mentia para a minha amiga mais rica que eu tinha uma coleção de Polly e na verdade não tinha nenhuma. Nas escadas do prédio, com aquele cheio de maresia e urbanização, dando sabor único ao mês de janeiro. E mesmo sem o meu avô, dono real desse império, eu sinto que ele não comprou o apartamento com intuito de se auto eternizar em algum lugar. Ele só prezava e talvez mirasse no futuro de filhos, suas esposas e os netos. Sem querer, ele fez com que eu nunca mais esqueça de uma lembrança que nem existe. Os quatro anos em que convivemos juntos não me remetem a momentos, fatos ou risadas. Mas reflete no amor tremendo que por ele eu sinto e nem sei o porque. Cheio de lágrimas, o meu texto tomou outros rumos. Assim como a vida, o Guarujá a cada ano me traz coisas novas, e esse ano será totalmente novo pra mim. Me aguarde da estrada até a divisão de esgoto entre Enseada e Pitangueiras.
Eu preciso ver o mar.
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